Acharam o Marquinhos! O Marquinhos tá vivo! Todos sobem a rua correndo e gritando. Estão felizes, e alguns batem palmas. A chuva cai fina e a água escorre em filetes pela rua íngreme que dá acesso ao Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, um bairro no centro do Rio de Janeiro com algumas das vistas mais espetaculares da cidade, para a Baía de Guanabara, o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor. Na véspera, o morro encharcado por dias seguidos de temporais deslizara, levando dez casas. Na rua de paralelepípedos, fragmentos de vidas. Um sapatinho azul de criança com o decalque de um urso panda. Uma boneca desmembrada. Um álbum de fotos.
Marcus Vinicius França da Mata, de 8 anos, foi soterrado por uma infeliz coincidência. Sua mãe, Rose da Mata, levou-o para a casa da tia, achando que sua própria casa estava em risco. Meia hora depois, a casa da tia foi abaixo. Os bombeiros ouviram o menino gritando seu próprio nome e pedindo “me tira daqui” sob os escombros. O risco de novos desabamentos, com a chuva persistente, suspendeu o resgate. Pela manhã, ninguém mais o ouviu. Muitos ainda acreditavam num milagre.
“Ah, muleque. Eu sabia que você ia sair dessa”, diz um rapaz, ao ver o menino ser retirado. Ao chegar à casa, o grupo emudece. Marquinhos estava morto. Os bombeiros entregam o corpo ao pai, Valmir, num edredom. “Meu filho, minha vida, eu te amo”, grita Valmir, aos prantos. A comoção toma conta até daqueles acostumados a situações extremas. Bombeiros choraram. “Era a razão da minha vida tirar esse garoto. Não consegui”, disse o sargento Luiz Carlos dos Santos Lira.
Todo o Estado do Rio de Janeiro parou para chorar, na semana passada, sua maior tragédia das últimas décadas. Mudaram as cores e os humores. Do céu azul fez-se o cinza. Do mar e da lagoa fez-se um lodo barrento e revoltado que afogou o espírito otimista do carioca. Das montanhas que encantam os turistas, fez-se o horror das s perdas de vidas. Contavam-se 212 mortos até a tarde da sexta-feira, mas ainda havia 150 desaparecidos no deslizamento do Morro do Bumba, em Niterói. Os desabrigados eram 23 mil.
A morte de Marquinhos foi uma fatalidade? Culpa do aquecimento global? O Rio de Janeiro poderia ter previsto a absurda intensidade da chuva? A cidade de geografia complicada, espremida entre rochas e mar, paga o preço pela beleza ou pela incompetência histórica das autoridades? O que torna uma chuva de 24 horas no Rio mais mortal do que 40 dias de temporal em São Paulo? As autoridades alertaram a população e reagiram com a agilidade necessária? Conseguirá a cidade no futuro poupar a população do desespero? Resolveremos o problema do lixo que entope os bueiros? O Rio poderá sediar eventos esportivos internacionais com um Maracanã que vira um lago? Quais são as lições dessa tragédia? Aprendemos algo ou vamos esquecer tudo no primeiro domingo de sol, samba, suor e cerveja? ÉPOCA preparou um questionário que esclarece essas e outras dúvidas.